sábado, 29 de janeiro de 2011

José Gil e a inscrição da depressão

Devo dizer que li com muito interesse o livro de José Gil, Portugal Hoje: o medo de existir, quando este foi publicado, e achei a sua tese da não-inscrição bastante elucidativa de uma série de características, ou digamos....recorrências.... nacionais. A não-inscrição própria da nossa maneira de ser coletiva seria responsável pelo facto de "deixarmos andar" sempre tudo, pois não nos inscrevemos, ou seja, nunca aderimos resolutamente a nada.

Na altura em que li o livro, achei a tese interessante, embora já então tenha considerado que o autor só via a parte negativa dessa não-inscrição, esquecendo-se que ela talvez contribua para a nossa imensa maleabilidade e a nossa capacidade diplomática.....a qual, nos nossos dias, me parece de valor inestimável.

Mas isso já foi há muito tempo....volto a José Gil porque li na Visão desta semana uma crónica sua sobre as eleições presidenciais....confesso que já há bastante tempo que não leio o que escreve, por achar repetitivo e por demais deprimente...mas resolvi ler desta vez porque a dada altura o filósofo falava de uma imposição europeia em relação à avaliação de desempenho em Portigal e fiquei curiosa, sobre o assunto e sobre a sua opinião. Mas sobre a questão da avaliação não havia mais do que algumas linhas e não foi isso que me motivou a escrever....mas sim a linguagem utilizada por José Gil, de cujo texto transcrevo algumas passagens:

«As eleições passaram como se nada tivesse acontecido. Voltou tudo ao mesmo, quer dizer, às dificuldades concretas da vida, às apreensões quanto ao futuro e ao cansaço sem esperança do presente. (...) Estamos mais fracos e mais sós (enquanto átomos sociais), com mais medo das forças exteriores e interiores que nos ameaçam. (...) A descrença quebra o desejo e a confiança em si. (...) Sentimo-nos sós e vivemos sem referências, impotentes, sem ajuda, cada vez mais fechados inutilmente em "nós mesmos", um "nós" que perde dia a dia a sua substância. (...) Aliás a "solidão" que se está a desenvolver não vem apenas do estilhaçamento dos laços comunitários, mas dos múltiplos impasses a que as pessoas se veem condenadas.»

E prossegue sempre no mesmo tom.....

Acabei de ler a crónica e arrependi-me de imediato de o ter feito....estava tendencialmente deprimida e sobretudo um bocado revoltada.....


Que treta!!! Qual é a ideia de cavar mais fundo? De meter toda a gente a chorar, a arrepanhar os cabelos, a considerar-se a criatura coletiva (pois estamos a falar dos portugueses enquanto coletivo nacional) mais desgraçada do mundo?

Estou farta de ouvir toda uma pretensa elite intelectual nacional - aliás sobretudo lisboeta (atenção que não é despeito, porque eu também sou) - chorar pelos cantos (reais e virtuais)....aliás sempre os mesmos....sem ver que existe um país a lutar com garra por sobreviver e prosperar, por criar riqueza e alternativas de vida....com imensos projetos que realiza de facto, com mais ou menos meios, que resultam de forma inesperada - como é óbvio, pois nada nunca resulta da forma como foi planeado - mas resulta....e isso é que importa.

Onde estão os jornalistas, os bloguistas, os pensadores, os analistas capazes de revelar e valorizar quem luta de fato por melhorar a sua vida e a dos outros, com esperança, com alegria, com prazer....e com dúvidas e com tristeza e com desepero é claro....pois isso faz parte da vida?

Na verdade, depois de ler a crónica de José Gil pensei....talvez a única inscrição que os nossos arautos da desgraça e do desânimo nos permitem, é a inscrição da depressão.

3 comentários:

  1. Oi Ana, achei muito interessante essa reflexão sobre o modo de ser coletivo, que eu acho que ilumina tambem sobre nosso modo de ser coletivo no Brasil. Muito pertinente olhar o que se faz, o que se move para a frente, embora hoje mesmo eu tenha escrito um blog triste acerca de um desabamento em Belem.
    Vamos olhar em frente! Gosto do seu convite.
    Beijinhos

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  2. Olá. Gostei de encontrar uma igual recusa da compulsão depressiva do JG, que por aí se vende como reflexão filosófica sobre a "Pátria". Uma vacuidade pretensiosa que vive de uma igualização mediocrática (?), ensimesmada e deletéria (para continuar com palavrões). Com Gil (José) e Carrilho a filosofia pública anda pelas ruas da amargura. Aliás, uma quase igual recusa, porque já nem espreito.

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  3. Concordo com vc, Aninha. E olhe que tenho um olhar pessimista... mas estou de saco cheio de escutar reclamações, de esperar que o Estado resolva todos os problemas etc. e tal. Se a maré está ruim, vamos pescar no mangue. É preciso olhar pra frente, sempre, em qualquer circunstância. O passado, os percalsos acontecidos, são lições, não são determinações. Digo isso para mim todos os dias, para não me deixar levar pela "inscrição na depressão". Para esse tipo de deprê, não há fluxetina que dê jeito.
    Ah! legal saber que "ficar em cima do muro" que nem eu faço é herança dos meus ascentrais portugueses, kkkkkkkk Beijinhos

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