quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

O Destino (Schicksal) alemão?

Estou a ler....há meses...duas, três páginas, às vezes um capítulo inteiro do Doutor Fausto, de Thomas Mann....não porque esteja enfadada ou não goste....mas porque a nossa "sociedade capitalista avançada" - lembra-me sempre a "sociedade socialista avançada" -  nos transforma em mera força de trabalho...que como qualquer operário da revolução industrial....tomba de cansaço assim que se aproxima da cama....
Mas voltando a Thomas Mann, um escritor que, já agora, teria merecido uma tradução melhor do que a da edição portuguesa do Cìrculo de Leitores....mas nós sabemos que o que importa, na tradução como em quase tudo, é pagar pouco e descartar o trabalhador assim que este começa a imaginar que pode ter uma relação estável com a empresa X ou Y....mas este post não é sobre hiper-flexibilidade laboral....esse é asunto para uma outra vez....

Estou então a ler o Doutor Fausto....e, um dia destes, deparei-me com a seguinte passagem, que me fez pensar.....sobretudo agora que tanto nos interrogamos sobre a postura alemã em relação à União Europeia, nomeadamente no que diz respeito ao Euro:

"(...) como acontece sempre no nosso meio, uma estranha preocupação com o próprio ser, um egocentrismo inteiramente ingénuo, que olha com indiferença e até acha completamente natural o facto de que, em prol do processo da evolução alemã (e nós estamos sempre em plena evolução), todo um mundo já desenvolvido, sem estar minimamente obcecado por aquele dinamismo catastrófico, tenha que verter o seu sangue juntamente connosco. Outros nos censuram por causa disto, e não sem razão. Pois, do ponto de vista moral, contanto que haja mesmo necessidade de derramar sangue, o recurso através do qual um povo deveria chegar a uma forma mais elevada da sua vida coletiva não precisa de ser a guerra exterior e sim a guerra civil. Esta, porém, repugna-nos extraordinariamente , ao passo que consideramos normal e, pelo contrário, orgulhamo-nos da circunstância de que a nossa unificação nacional - aliás uma unificação apenas parcial, fundada num compromisso - tenha custado três guerras graves. Já decorrera demasiado tempo, desde que nos tínhamos convertido numa grande potência. Essa situação tornara-se rotineira e não trazia a esperada felicidade. A sensação de que não nos fizera mais cativantes e antes piorara do que melhorara a nossa relação para com o resto do mundo assaltava, confessada ou não, os nossos espíritos. Uma nova erupção parecia urgente , a que nos conduzisse à hegemonia mundial, sucesso esse que, na realidade, não se podia conseguir mediante um trabalho moral, executado em casa. Restava, portanto, a guerra, e eventualmente contra todos, a fim de convencer e conquistar o mundo inteiro. Era isso o que o Destino (Schicksal) - que palavra alemã com o seu som primevo, pré-cristão, motivo trágico, mitológico, de drama musical - era pois isso que o Destino resolvera (...)". Thomas Mann, Doutor Fausto. Círculo de Leitores. Lisboa, 1991 (p.349)

1 comentário:

  1. Agora sim! Ontem não abria de jeito nenhum essa página. Vou poder dar meus pitacos.

    ResponderEliminar